Não dá para comentar sobre L’Air du Temps de forma sucinta. Então senta, pois lá vem história!
L’Air du Temps foi lançado em 1948, após a II Guerra mundial, quando Robert Ricci (filho de Nina) decidiu criar uma fragrância que refletisse o momento otimista e a promessa de um futuro de paz. Não foi a primeira fragrância da grife, mas foi, sem dúvidas, a que marcou uma geração e colocou a empresa no hall da fama dos grandes perfumes.
O conceito fala de liberdade, mas também de romance, através de um perfume cujo nome significa, em Língua Portuguesa, “O ar do tempo”, ou seja, o que pairava no ar naquela época. Para criar tal fragrância, convidou o perfumista Francis Fabron, que uniu o estilo clássico das mulheres elegantes da época (até então representadas por fragrâncias icônicas como Chanel Nº5, Joy, Shalimar, etc.) com uma luminosidade necessária para um período tão sombrio, a ponto de retratar o romantismo e a feminilidade das mulheres em um novo capítulo da história.
L’Air du Temps foi lançado nas concentrações Eau de Parfum e Eau de Toilette, em uma época na qual as composições eram as mesmas (ou muito próximas) e o que mudava era apenas a concentração de essência nas fórmulas. Por esta razão, os frascos eram diferentes.
Aliás, não é possível falar de L’Air du Temps sem comentar a beleza eterna de seu frasco e da parceria com Marc Lalique, uma das mais promissoras na história da perfumaria. O famoso frasco feito de cristal com as duas pombas, representando a paz, fez sucesso em todo o mundo e ganhou o título de Frasco do Século. Mas o que muitos não sabem é que este famoso frasco só foi criado em 1951, três anos após o lançamento do perfume. Até lá, o frasco original simbolizava o sol e trazia uma pomba esculpida na tampa, inspirado na Fille à la Colombe. Por esta razão, o modelo mais famoso trouxe um vidro retorcido em espiral, simbolizando o sol e a pombas na tampa, representando paz e amor.
A evolução dos primeiros frascos Eau de Parfum pode ser conferida clicando aqui e a evolução dos frascos da versão Eau de Toilette pode ser conferida clicando aqui. Ao longo dos anos, L’Air du Temps já ganhou mais de 15 versões, entre elas edições especiais, mas o frasco que é vendido nas principais lojas do ramo, atualmente, traz uma tampa feita de plástico.
A composição da fragrância atual, liberada pela própria grife em sua página na internet, lista notas de saída de cravo (a flor) e gardênia, cheias de facetas picantes. Em seguida, no coração, notas de rosa Centifólia e jasmim de Grasse, misturando nobreza e suavidade. Por fim, na base, a fragrância é acariciada pelo sândalo de Mysore e pelo olor envolvente da íris.
Embora não faça mais diferença para nós, acho válido lembrar como era a composição original, muito mais complexa e considerada a primeira fragrância floral-picante da perfumaria fina, tendo a flor do cravo como ingrediente central. Ela tinha, no topo, notas de jacarandá, aldeídos, pêssego, rosa, bergamota e cravo. No corpo, trazia notas de gardênia, jasmim, orquídea, rosa, violeta, alecrim, ylang-ylang, raiz de íris e cravos (tanto a flor, quanto o botão seco). Por fim, notas de âmbar, almíscar, íris, bálsamo de estoraque, especiarias exóticas, cedro, musgo de carvalho, sândalo e vetiver chegavam no fundo da pirâmide olfativa. Um luxo!
Já li relatos de colecionadoras que afirmam que o caminho olfativo permaneceu o mesmo, mas a fragrância atual (produzida e licenciada pela PUIG) perdeu o poder dos aldeídos, a faceta atalcada da íris e a base musgosa e verde de antigamente. Em contrapartida, o lado luminoso permanece o mesmo e L’Air du Temps me faz recordar de memórias que nem eu me lembrava mais.
Esta versão Eau de Toilette é, basicamente, feita de três acordes: cravos, rosa e íris. Ela chega floral e forte, com aspecto ardido e, de certa forma, datado. Não tem como não pensar no perfume da diretora da escola ou da tia mais rica da família ou, até mesmo, daquela visita que você mal lembra o nome, mas esteve na sua casa, tomando um café, em algum momento do passado.
Como já citei antes, L’Air du Temps fazia parte do grupo seleto de perfumes usados pelas mulheres mais abastadas, que mostravam seu status social não só pelas roupas chiques da época, mas também através de seu perfume. A diferença é que a grife não tinha tanta tradição quanto às concorrentes e trouxe um ar de modernidade para as mulheres mais jovens e românticas da época.
Hoje, infelizmente, L’Air du Temps EDT é apenas uma sombra do que já foi. É brilhante no início, mas perde força muito rápido, ficando rente à pele em cerca de três horas e durando até onde o olfato consegue notar. Continua lindo, atemporal, floral, ardido, atalcado e luminoso. Também continua conferindo aquele cheiro de sabonete caro, de roupa secando em um dia de sol, de namoro no banco da praça em frente à igreja, quando um simples toque de mãos era o suficiente para fazer o coração saltar pela boca. Eu imagino como devia ser nos anos 50. Os jovens de hoje jamais saberão como foi.
No fim da história, a verdade é que L’Air du Temps não é um perfume de idade cronológica. É um perfume de almas antigas, que se reencontram entre idas e vindas, onde nostalgia e luxo se encaixam.
L’air du Temps é meu perfume desde os 16 anos.
Porém após a aquisição pela PUIG espanhola, não é o mesmo.
QUE PENA
Cassiano, que texto brilhante!
O último parágrafo parece feito para mim, é assim pelo menos que me vejo e me sinto.
Sou vintage, e amo o frasco. O meu perfume mesmo é outro, o Opium, original, mas tenho o l’air du temps pela história e as pombas que traduzem a paz do pós guerra, mesma que ela de alguma forma ainda viva.
Fico tão feliz quando recebo esse tipo de feedback!
Não pelo elogio, mas por ver que as pessoas se identificam com a minha análise. Obrigado.
Olá Cassiano, sou fascinada pelos perfumes clássicos e vintages. Lindo texto seu, sobre L’air du Temps, meus parabéns! Acabei de adquirir um frasco do edt vintage, aquele frasco comprido, mais alto de 108ml . Infelizmente, quem mo vendeu não tinha mais a cx. Mas o frasco está cheio. Não vejo a hora de sentí-lo… foi blind, mas eu sou dessas mesmo, rsrsrsrs Um abraço!
Muito obrigado Gláucia!
Se já não fosse apaixonada pelo perfume cairia de amores no instante desse texto!
Ahhh que coisa linda de se ler. 💙
Que texto bem feito e poético. Uma descrição ótima, para os que conheceram e os que não conheceram este vintage tão elegante da Nina Ricci. Tenho este frasco na “Minha Coleção de Frascos Vazios.”Visite meu facebook: Gesy Tápias Dabrowska e verá o texto “Do Lixo ao Luxo,” com fotos da minha coleção.Atualmente, estou postando os frascos mais antigos que tenho, desde Jean Marie Farina e 4711 até final dos anos 1960. Parabéns pelo seu trabalho.
Muito obrigado! 🙂
Que resenha maravilhosa! Sinto que li um romance onde um perfume é oprotagonista!
rs rs rs
Que bom que gostou!
Linda descrição. Vou adquirir esse poema!
Obrigado Ruba.